ISMÁLIA

 

Ismália é esposa de Alfredo administrador do Posto de Socorro do Campo da Paz, mas Ismália vive em planos mais elevados que seu esposo, devido ao seu adiantamento moral, eles tem o divino compromisso da união eterna, mas Alfredo ainda não tem o merecimento da presença con­tínua. Ela é a bondade celeste, e ele, a realidade humana.

Ismália e Alfredo em sua última encarnação eram também casados, mas a res­ponsabilidade de Alfredo era enorme no campo dos negócios materiais, e, longe de compreender as obrigações sublimes de esposo e pai, não procurava atender aos deveres justos para com o lar e os dois filhinhos que Deus lhe enviara ao círculo doméstico. Ismália, porém, era a providência da casa. contudo, foi vítima da maldade de um amigo desleal, com quem seu marido tinha inúmeros interesses em comum, no campo monetário. Ela sofreu, em silêncio, a perseguição dele por alguns anos consecutivos. E quando o desventurado sócio verificou a inutilidade da atitude criminosa, em franco desespero buscou envenenar o espírito desprevenido de Alfredo. Começou por advertir-lhe, quanto ao procedimento dela, atordoou-lhe, envolvendo-a em acusações descabidas. Subornou criados domésti­cos e colocou espiões que a seguissem, nas tarefas de esposa e mãe. Esse homem exercia profunda influência sobre Alfredo, e, atendendo aos laços que os uniam, Ismália jamais se sentiu com bastante coragem para denunciá-lo. Enquanto dava ouvidos à calú­nia, fora de seu círculo doméstico, tornara-se in­tolerável dentro dele. Não sabia contemplar a esposa com a despreocupação e a confiança abso­luta de outra época. Via o mal nos seus mínimos gestos e queria descobrir segundas intenções nas suas frases mais inocentes. Chegoui a acusá-la, veladamente. Ismália chorou e calou-se. Por fim, o infeliz perseguidor subornou um homem de baixa condição que permaneceu, certa noite, ao lado dos aposentos particulares como vulgar ladrão, às ocultas, sendo Alfredo convocado à prova máxima. Penetrou no quarto em extremo desespe­ro e acusou em voz alta ao ver a companheira profundamente tranqüila. Ismália levantou-se, re­ceosa da sua saúde mental, mas Alfredo não lhe atendeu os rogos, procurando, como louco, o conspurcador da sua honra... Abriu violentamente grande ar­mário antigo, vasculhando o quarto. Nesse instan­te, o vulto de um homem esgueirou-se na sombra, do aposento próximo, e, antes que ele pudesse agarrá-lo com seu ódio infrene, saltou a janela, alcan­çando o pomar da casa. Alfredo correu desesperado, detonando balas a esmo, mas, nada conseguiu, Re­gressou ao quarto e, para cúmulo da calúnia odiosa, o desconhecido deixara, atrás de si, um chapéu novo, rigorosamente moderno, para que se acen­tuassem seus sentimentos terríveis. Olhos conges­tos, vomitando insultos, ele quis eliminar Ismália, ba­nhada em lágrimas a seus pés; no entanto, alguma coisa, que nunca pode compreender na Terra, pa­ralisou-lhe o braço quase homicida. Vociferando blasfêmias, surdo aos rogos dela, afastou-se do lar, tomado de horror. No dia imediato, fez valer seu direito exclusivo sobre os filhos e providenciou para que Ismália, convertida em estátua de dor, fôsse restituida à fazenda paterna. Contratou uma go­vernanta para os meninos e, logo após, tomou um paquete para a Europa, onde demorou mais de três anos. Nunca se propos a verificações sé­rias, e, embora tivesse o espírito incessantemente atormentado, humilhou os sentimentos mais ínti­mos, jamais procurando notícias da companheira caluniada. Certo dia, recebeu uma carta lacônica na costa francesa. Um parente dava-lhe informações da esposa. Após dois anos angustiosos, entre a sau­dade e o abandono, Ismália fôra colhida pela tu­berculose, falecendo em terrível martirológio moral. Deliberou, então, a volta. Fixou-se novamente no Rio, educou os filhinhos e conservou a dolorosa viuvez no desencanto do coração. Os anos rolaram uns sobre os outros, quando foi chamado à cabe­ceira do ex-sócio agonizante. O infeliz, em face da morte, confessou o crime odioso, pedindo um per­dão que, infelizmente, não pode conceder. Trans­formou-se, desde então, num louco irremediável. Cansado, envelhecido, procurou a propriedade rural dos sogros, tentando reparar, de alguma sorte, a injustiça, mas a morte não lhe deu ensejo e voltou para a esfera dos desencarnados, em tristes condi­ções espirituais.

Recebeu de Ismália todo o amparo de que necessitava. Todavia, infelizmen­te para ele, estávam separados. Não era ainda merecedor da bênção da união sublime. Ismália segue-lhe de per­to, mas tem residência num plano superior, que Alfredo esforçasse por alcançar. Desde muito, dedi­ca-se aos serviços do Posto de Socorro, consagrou-lhe aos ignorantes e sofredores, e sua santa Ismália vai até lá, mensalmente, incenti­var-lhe o bom ânimo e amparar-lhe nas lutas.

Ismália tentou transferir-se definiti­vamente para lá pois seu objetivo de união eterna é Idêntico ao de Alfredo, mas foi advertida por seus maiores, sobre as atuais necessidades de esforço e solidão de seu companheiro que precisa conhecer o preço da felicidade.

Alfredo resgata crimes de precipitação, pela impulsividade delituosa, perdeu a paz do seu lar e sua devotada companheira. Ele não matou e  nem roubou a ninguém, mas enve­nenou-se a ele próprio. A calúnia é um monstro invisível, que ataca o homem através dos ouvidos invigilantes e dos olhos desprevenidos.

Quanto a Paulo o falso amigo que arruinou o lar de Alfredo, contudo, não somente cometeu a ingra­tidão, como envenenou o espírito doutras senhoras, traiu outros amigos e destruiu a alegria e a paz doutros santuários domésticos, Mas Ismália e Alfredo  evoluíram, transpuseram a fronteira da mágoa, es­caparam aos monstros do ódio, vestem-se hoje de luz, e trouxeram Paulo para o Posto de socorro afim disciplinar o coração.

Alfredo há muitos anos conversa com Paulo, díàriamente. Nos primeiros tempos, aproximava-se do enfermo, como necessi­tado de reconciliação; depois, como pessoa carido­sa; mais tarde adquiriu entendimento, comparando situações; em seguida, sentiu piedade; logo após, experimentou simpatia e, presentemente, conquis­tou a verdadeira fraternidade, o amor sublime de irmão pelo ex-inimigo.

Paulo voltará breve à Terra. Ismália tem feito a seu favor inúmeras intercessões e não deseja que ele, ao retomar a razão plena, se sinta humilhado, com o beneficio das próprias vítimas. Uma das irmãs, por ele caluniada no mundo, já voltou ao círculo carnal, e a abnegada esposa de Alfredo pediu-lhe que recebesse Paulo como filho, tão logo seja oportuno.

 

“Os Mensageiros – André Luiz”